Desde 2005, os alunos de música da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto podem se habilitar em um instrumento antes impensável dentro dos muros da universidade: a viola caipira. Coordenador e docente do curso desde o seu início, Ivan Vilela acredita que São Paulo atrairá mais alunos que Ribeirão. "A cidade de São Paulo tem se mostrado um dos principais repositores da cultura popular do estado, talvez do Brasil", diz ele.
Vilela conta que, ao fazer a curadoria do Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola, único na categoria, em 2004 e 2005, notou que uma média de 40% dos participantes era de São Paulo. Ele lembra também que em torno da cidade existem mais de 20 orquestras de viola, das 60 existentes no País.
Por isso, em 2009, o Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), no campus do Butantã, abriu a mesma especialização em viola caipira, que divide espaço com outros instrumentos, como piano, violino e violoncelo. Para 2010, é a Faculdade Cantareira que inaugura dois novos cursos: além da viola caipira e acordeom.
Segundo Gabriel Levy, professor de acordeom da faculdade, o mercado de trabalho para quem deseja fazer estas graduações é bem abrangente. "Além da música regional, onde estão presentes tanto o acordeom como a viola caipira, lançamos mão de uma série de outras expressões musicais (pop, MPB, música erudita contemporânea, World Music) ."
Ele explica que a graduação em acordeom possibilita uma visão ampliada do uso do instrumento em diferentes linguagens e está voltada principalmente para as tradições populares. "A preocupação da Cantareira é passar informação também sobre a música erudita e não limitar esses dois universos, cujas fronteiras são, a cada dia, mais tênues", ressalta.
"O curso de viola caipira desenvolverá todas as etapas da viola brasileira (dez cordas) com aulas práticas de técnica, leitura, linguagem tradicional da viola, repertório e estudos dirigidos de arranjo e interpretação", diz João Paulo Amaral, responsável pelas aulas de viola caipira da Faculdade Cantareira.
Apesar da denominação "viola caipira" do curso superior da USP, para se tornar profissional do instrumento o aluno deve ser um pesquisador de todas as vertentes musicais da viola, além de trabalhar suas técnicas - daí a vantagem de estar ao lado de cursos que estudam o homem e seu comportamento, como as disciplinas de sociologia, antropologia e cultura brasileira - todas lado a lado na ECA.
"Dentro do curso, o aluno deve estudar todo o repertório da viola, desde o estilo barroco brasileiro até a música clássica, erudita. Então, para se tocar viola é preciso conhecer essas culturas e a produção musical feita a partir delas. O curso não forma apenas músicos, são músicos pesquisadores", comenta.
Herança de nossos bisavós
Mas não são apenas os tocadores de viola que se interessam pela sonoridade do instrumento. Em São Paulo e regiões próximas, como no ABC, é fácil encontrar diferentes manifestações regionais cheias de jovens a celebrar tais tradições.
Como maracatu, boi, folias de rei e congado, a moda de viola também se faz presente nesse cenário. O professor concorda que algumas novelas, como “Pantanal” (1990), ou personagens como Pirilampo e Saracura, representados por Almir Sater e Sérgio Reis, em “O Rei do Gado” (1996), contribuíram para a redescoberta do estilo.
De acordo com ele, porém, um importante fator que influencia a nova geração a buscar valores esquecidos em meio ao mundo moderno é o “vazio” que esse estilo de vida pode trazer.
“É uma espécie de efeito colateral. Quando tudo passou a ser uniformizado a partir do consumo, de shoppings etc., foi gerado um vazio. Acho que as pessoas começaram a querer encontrar certos sentidos e buscar valores mais profundos e encontraram naquilo que já fez parte delas outrora, digo, de seus pais, seus avós ou bisavós”.
Como tocador profissional experiente e divulgador do estilo por todo mundo, o docente acredita que a viola caipira, também conhecida por viola brasileira, cabocla, sertaneja e nordestina, acompanhará o crescimento internacional da música instrumental brasileira. “A receptividade é imensa, eles ficam maravilhados com a sonoridade, muitas vezes inusitada aos ouvidos estrangeiros, e com o que o instrumento oferece”, revela.
Com projetos sendo executados por ele e seus atuais alunos, já até inseriu a viola em orquestras sinfônicas, comprovando seu vasto potencial. Vilela é um entusiasta da música instrumental produzida no Brasil.
“Em 20 anos, no máximo, a música instrumental brasileira será a grande música do mundo, que é sofisticada como o jazz da primeira metade do século passado, e que também trabalha com um estofo muito grande de sonoridade da cultura popular, um ritmo que é originalmente nosso”, conclui, com a certeza de que a viola estará presente nesse grande momento.
História da viola
Para o professor Vilela, a verdadeira essência do instrumento também está na história que ele carrega. Ele conta que a viola chegou ao Brasil com os portugueses e passou por grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, Recife e Salvador antes de fazer parte da cultura rural.
Somente no início do século 20, se firmou como instrumento do campo. Apesar de muitas possibilidades de som, ela ficou mais conhecida pelas modas caipiras em função das primeiras gravações do estilo realizadas com o instrumento em 1929.
Vilela acredita que, mesmo substituída pelo estilo sertanejo nos anos 1960, a música de raiz caipira finalmente reconquistou seu verdadeiro espaço. “O preconceito social tem sido quebrado”, diz ele.
Em sua percepção, os jovens passaram a entender a necessidade de resgatar suas origens e ver que certas riquezas não são materiais, assim como “as pessoas do campo, mais preocupadas com o ‘ser’ do que com o ‘ter’”.
Para mais informações, acesse os sites:
www.ivanvilela.com.br
www.cmu.eca.usp.br
www.cantareira.br
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em dezembro de 2009.