O embate entre fé e razão existe desde sempre. Primeiro foi a religião que, em nome de uma supremacia de idéias, reprimiu qualquer pesquisa que pudesse abalar seus preceitos. Depois do Iluminismo, ocorreu o inverso, a ciência passou a ditar a verdade e a ignorar toda explicação religiosa para entender o mundo. Mais de três séculos se passaram desde então e guerras em nome de Deus continuam existindo, assim como massacres em nome da ciência.
Por isso, pesquisadores contemporâneos começam a perceber que não basta encarar o mundo como um grande laboratório de pesquisas e ignorar o fato de que apenas 1 bilhão das 6 bilhões de pessoas que habitam o mundo não possuem uma religião.
Na PUC-SP, um programa de pós-graduação em ciência da religião existe desde 1978 e procura compreender as relações entre a religião e o mundo moderno a partir de uma perspectiva multidisciplinar, e com metodologias consagradas no ambiente acadêmico.
O programa é reconhecido pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e possui nota 5. Ou seja, é destinado à formação de pesquisadores e docentes para o ensino superior e confere títulos de mestre e doutor.
Entre os alunos, a diversidade de formações ajuda a dar um tom interdisciplinar a qualquer discussão. "Ainda que mais ou menos metade dos alunos seja composta de profissionais religiosos e das mais diversas tradições, um número significativo deles é composto de profissionais leigos de diversas áreas, como psicologia, história, ciências sociais, etc", diz o coordenador do programa, Eduardo Cruz.
Temas diversos e matérias interdisciplinares
Um dos objetivos do programa é promover o intercâmbio de pesquisadores, estimular diálogos, discussões e estudos interdisciplinares sobre a religião no mundo moderno. Para isso, os cursos de mestrado e doutorado se dividem em linhas de pesquisa que vão desde a análise da religião sob uma perspectiva feminista, ao estudo dos desafios colocados pela globalização às religiões.
Segundo o coordenador, "a vida religiosa da humanidade é ampla e variada, daí os trabalhos seguirem diferentes temas e metodologia".
Alguns dos assuntos que estão sendo estudados atualmente são a presença de religiões orientais no Brasil, a cultura popular e suas mensagens religiosas e aspectos religiosos da psique humana. "São temas que, em geral, estão ligados às próprias especialidades de nossos docentes", explica Cruz, que, por exemplo, é mestre em física.
Já algumas disciplinas introdutórias, como História da Religião no Brasil e na América Latina, são comuns a todos os alunos, independentemente de sua linha de pesquisa.
Pesquisas na área ganham espaço no mundo
O programa de pós-graduação da PUC-SP existe há 28 anos, mas apenas agora a área começa a ganhar espaço no Brasil. Se comparada com a pesquisa já feita em outros países, por aqui ela ainda engatinha.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a ciência da religião está diretamente ligada às pesquisas das ciências sociais. Isto porque, como tem crescido o número de novas religiões em regiões sócio-liberais, as pesquisas nesta área estão bastante desenvolvidas.
"A área de ciências da religião é nova no Brasil, mas veterana no mundo ocidental. Surge como algo independente da teologia, junto com a antropologia e a psicologia. Mas ainda não é muito procurada por aqui. Além da eterna preocupação com emprego e carreira, há muita desconfiança das pessoas, como se fosse uma ’coisa de igreja’", comenta Fernando Cruz.
Mas, mesmo ainda dando os primeiros passos, a área tem tudo para florescer no Brasil. Por aqui, religiões africanas se mesclaram a cultos indígenas e fizeram nascer diferentes expressões das chamadas religiões mediúnicas, como o Candomblé e Umbanda. Também foi no Brasil que surgiram algumas religiões de Ayahuasca, como o Santo Daime e a Barquinha.
Para quem se interessa pelo assunto e ainda tem dúvida sobre a carreira, Cruz incentiva: "a ciência da religião é um campo que conquistou respeito científico, e que conta com um futuro muito promissor, dada a importância da religião no mundo contemporâneo".
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 8/06/2006.