Executivo de grandes empresas por 30 anos, Max Gehringer é formado em administração de empresas e especialista em marketing, com pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas e cursos de extensão nos Estados Unidos. Começou sua trajetória profissional como office-boy, passou por muitos setores e departamentos. Foi crescendo e buscando oportunidades até se ocupar cargos de direção e presidência de grandes empresas (Pullman e Pepsi-Cola). Quando chegou ao auge da carreira como executivo, percebeu que a vida corporativa já tinha lhe dado mais do que ele havia pedido, e mais do que ele achava que merecia, como costuma dizer. Nesse momento, decidiu dar uma pausa e se dedicar a escrever livros (entre os quais "Máximas e Mínimas da Comédia Corporativa", "Relações Desumanas no Trabalho" e "Não Aborde Seu Chefen no Banheiro"), artigos e a fazer palestras, para ensinar o que aprendeu e dividir com quem se interessar sua experiência na vida corporativa. Leia, a seguir, a entrevista:
Você se tornou uma celebridade quando os temas são marketing pessoal e habilidade para encarar mudanças no ambiente corporativo. Como acumulou tanto conhecimento nesses assuntos?
Max Gehringer - Celebridade é muita bondade sua. O que eu vou dizer pode parecer óbvio, mas não é. Eu sempre procurei respeitar as pessoas. Nunca atropelei ninguém para ganhar uma promoção. E jamais falei mal de um chefe. São três regrinhas elementares, mas extremamente valiosas, e comumente desrespeitadas nas empresas.
O que é exatamente marketing pessoal? E o que deve aprender a respeito alguém que está começando uma carreira hoje?
A habilidade que um funcionário tem de fazer seu nome ser reconhecido dentro da empresa. Em propaganda, existe um fator importantíssimo, o top-of-mind. Que é a resposta a uma pergunta do tipo: "Quando você ouve falar em xampu, qual a primeira marca que lhe vem à mente?". A pergunta pode ser transferida para as empresas: "Se surge uma oportunidade de promoção, qual funcionário é lembrado primeiro?". Aquele cujo nome extrapola a própria função que executa. O que se candidata a qualquer comitê, o que colabora com o jornal interno, o que faz apresentações para outras áreas, o que manda flores para as secretárias de outros setores no dia delas, 29 de setembro. Enfim, aquele que consegue destacar o seu nome, mais do que seus colegas conseguiram. O nome de uma pessoa é como a marca de um produto. Para aparecer, é preciso investir.
O humor e a sensibilidade chamam a atenção nos seus textos e são em grande parte responsáveis pelo seu sucesso. A que você atribui essa facilidade ou talento para escrever e falar?
Eu sempre fui meio palhaço, desde criancinha. Literalmente. No primeiro grau (atual ensino médio), eu apresentava as festas, fantasiado como o Palhaço Rapadura. Essa foi uma bela experiência. Eu vivia sendo castigado pelos comentários irônicos que fazia durante as aulas. Mas as mesmas coisas, ditas pelo palhaço, provocavam os risos dos professores que me castigavam. Aí, aprendi que humor é ótimo, mas tem hora certa. A lição valeu tanto para a escola, quanto para a vida corporativa.
Muitos livros seus são referência no que diz respeito à vida corporativa e marketing pessoal. Qual deles é mais procurado?
O que mais vendeu foi uma coletânea de meus artigos para a Revista Você S/A. Uns 25 mil, aproximadamente. Mas os sete livros que escrevi continuam vendendo razoavelmente. Agora, estou preparando mais um, com os textos de meus comentários para a Rádio CBN. Estou também estreando uma coluna semanal na revista Época, na qual tento responder às dúvidas dos leitores sobre os meandros dos labirintos corporativos.
Um jovem que está saindo da faculdade hoje e iniciando uma carreira vai encontrar um ambiente corporativo diferente do que o seu pai, ou até mesmo o irmão mais velho encontrou? O que está mudando nas empresas?
Até a década de 1980, uma pessoa entrava em uma empresa pensando em permanecer nela até a aposentadoria. De repente, isso mudou. A década de 1980 foi a primeira em que os filhos viram seus pais perder o emprego por motivos até então impensáveis: redução de custos e reestruturações. Antes, alguém só perdia o emprego se fosse desonesto ou se tentasse estrangular o chefe. A partir de 1981, funcionários competentes e fiéis também passaram a ser dispensados. E isso criou uma nova visão sobre o mercado de trabalho. A relação de obediência ao patrão foi substituída pela relação de utilidade mútua. A carreira deixou de ser delegada à empresa, e passou a ser responsabilidade de cada um. Até 1980, as pessoas acreditavam em um emprego. Hoje, acreditam em si mesmas.
É verdade que as empresas valorizam mais quem sabe trabalhar em equipe e atua com o objetivo de melhorar os resultados da companhia? Ou ainda há espaço para aquele funcionário que só pensa na própria carreira e para fazê-la ir em frente não mede esforços e nem tem escrúpulos?
Todo jovem que for participar de uma entrevista ouvirá a pergunta: "Você gosta de trabalhar em equipe?". A resposta deve ser: "Sim. Adoro". Como qualquer pessoa normal sabe, isso não é bem verdade. Na maior parte do tempo, nós preferimos trabalhar por nossa conta. Controlar o nosso ritmo de trabalho. Não desperdiçar nosso tempo ouvindo colegas que pouco ou nada têm a dizer. O trabalho em equipe, porém, é fundamental para a empresa. Exércitos só vencem batalhas se souberem atacar e defender coordenadamente. Se cada soldado tentar ganhar a guerra sozinho, o resultado mais provável será a derrota. O que o entrevistador está querendo saber, mesmo, é qual o grau de tolerância do candidato para o trabalho em equipe. E é bom o candidato ter um bom exemplo para dar. Mesmo que nunca tenha tido um emprego na vida. Por exemplo, que tipo de colaboração o candidato dava nos trabalhos em grupo na faculdade. Aí, depois da contratação, a história muda. Nas empresas, os que trabalham em equipe são muito elogiados. Mas, quase sempre, os individualistas é que são promovidos.
A competitividade, de uma maneira geral, está mais acirrada hoje em dia? Muitos estudantes acham, e falam sobre isso com a maior naturalidade, que para obter o próprio lugar ao sol têm de conquistar a vaga que era de outro. É assim mesmo, salve-se quem puder?
Está, por três motivos. O primeiro é que as empresas deixaram de ser cobradas pelo resultado anual, e passaram a ser cobradas por resultados de curtíssimo prazo. Dois ou três meses ruins já desencadeiam uma tempestade. O segundo motivo é que existem muito mais pessoas bem preparadas do que vagas para pessoas bem preparadas. E o terceiro é que as empresas estão ficando mais produtivas. Isto é, estão fazendo mais coisas com menos pessoas. Resumindo, as boas vagas estão crescendo em número inferior ao de candidatos, e o nível de tolerância para maus resultados está cada vez menor. O resultado é, de fato, um salve-se quem puder.
Todos sabem que acabou aquele tempo em que o sujeito entrava numa empresa e ficava nela até se aposentar, fazendo o que aprendeu um dia na faculdade. Hoje as mudanças fazem parte do caminho profissional de cada um. É possível se preparar para enfrentar mudanças?
Imagine uma pessoa que está cursando uma faculdade de informática. O que ela aprendeu no primeiro ano já estará superado no segundo ano. O ritmo da curva de obsolescência está se acelerando, e a convivência com mudanças é inevitável. Por isso, devemos ter em mente que mudança não se enfrenta, se aproveita. Qualquer empresa promove algum tipo de mudança interna a cada dois anos, em média. E a atitude deve ser a seguinte: a empresa mencionou a palavra mudança? Então, eu nem sei do que se trata, mas sou a favor. Os primeiros que embarcam são os primeiros a serem beneficiados. Os que dizem "Vou esperar para ver no que dá" acabam ficando para trás.
Como encarar o desafio de estar sempre se reciclando? É possível fazê-lo sem sacrifício da vida pessoal?
Há muitos mitos com relação ao aprendizado contínuo. Tem gente que se mata de fazer cursos e mais cursos, e depois se frustra porque não vê resultados condizentes com o tempo e o dinheiro gastos. Eu diria que há duas coisas indispensáveis: atualização em informática e inglês fluente. Mesmo que a empresa não use o inglês, e mesmo que a função atual não exija conhecimentos de informática. Porque uma pessoa não estuda "para a empresa". Ela estuda para ela mesma. O resto - MBA, por exemplo - é bom e é recomendável. Engorda o currículo. Mas é mais grife do que necessidade.
O que acha das teses de alguns teóricos, como o italiano Domenico De Masi , de que o executivo que fala sem parar no celular, trabalha 24 horas por dia e está sempre estressado vai dar lugar ao profissional que trabalha menos horas por dia, leva com equilíbrio vida profissional e pessoal e muitas vezes trabalha em casa, ou no laptop, diretamente de uma praia?
Por enquanto, a realidade vem desmentindo essa tese. Se pensarmos que, nos últimos 20 anos, surgiram vários avanços tecnológicos, que reduziram drasticamente o tempo empregado para se executar um trabalho, a pergunta seria: o que aconteceu com o tempo teoricamente liberado? Ele foi preenchido com outras atividades. Mais que isso, há 20 anos um executivo trabalhava 10 horas por dia. Hoje, trabalha 12. Ou mais. É por isso que os livros do Professor De Masi fazem tanto sucesso: ele nos fala da vida que todos gostaríamos de ter. E que, talvez, tenhamos um dia. Mas não agora.
O senhor concorda com a idéia, também de De Masi , de que o profissional é mais produtivo e realizado quando se dá ao luxo do ócio criativo, de reservar uma parte do tempo para pensar, ler literatura e ir a exposição de artes plásticas, por exemplo?
Concordo inteiramente. Devido a meu trabalho na CBN, eu tenho que acordar todo dia com uma nova idéia. Como eu faço isso? Eu ando com um papel e uma caneta no bolso. Aí, estou vendo TV, ou passeando pela internet, ou lendo um livro, e uma idéia aparece de repente. Pego o papel, e a escrevo. E continuo a fazer o que estava fazendo. No fim do dia, sempre tenho quatro ou cinco idéias rabiscadas. Se eu acordasse de manhã, e me sentasse diante da tela do micro, e ficasse espremendo os neurônios para produzir uma idéia, minha produtividade seria bem menor.
Para você qual é a diferença entre ter talento e ser bem preparado?
Talento é algo que todos temos. A diferença é que alguns talentos são úteis para as empresas, e outros são úteis apenas para nós. Eu posso tocar guitarra muito bem, mas isso não vai influir em minha carreira, a não ser que eu decida ser músico. O que uma empresa chama de "talento" é a capacidade que um funcionário tem de surpreender. Ou executando suas tarefas mais rapidamente que seus colegas, ou tendo idéias criativas para melhorar processos. Há pessoas que têm talento para aprender idiomas. Há pessoas que têm talento para se apresentar em público. Tudo isso é ótimo. Porém, melhor ainda, é investir mais ainda no aperfeiçoamento desse talento. Um conselho que eu sempre dei para pessoas que trabalharam comigo foi este: se você faz três coisas bem feitas, e uma quarta extremamente bem feita, esqueça as três e invista na quarta. É ela que lhe dará o título de "talento", e que fará você virar uma referência para seus colegas.
Muitos jovens simplesmente não vão conseguir vaga em empresas e terão de se virar abrindo o próprio negócio ou trabalhando eternamente como freelancers. Como desenvolver o espírito empreendedor? É realmente uma necessidade atual?
Raras faculdades, infelizmente, dispõem de um teste de vocação para o aluno que está se formando. É uma pena. Porque ser empreendedor não é uma decisão, é uma vocação. Há pessoas que nascem para serem empregadas. Eu fui uma delas. Sempre gostei daquele ambiente em que decisões são tomadas em colegiado, em que as culpas são repartidas, em que o guarda-chuva do organograma nos tornava cúmplices. Um empreendedor é exatamente o contrário. Ele decide sozinho, acha que todo mundo é devagar, e abomina qualquer burocracia. Se alguém com queda para empreendedor decidir trabalhar em uma empresa, criará rapidamente problemas de relacionamento. Se alguém com queda para empregado decidir abrir uma empresa, muito provavelmente irá à falência. Minha sugestão para os jovens é: não decidam nada antes de saber qual é a sua vocação. E dizer "Eu já decidi, não quero ter um chefe" não é uma vocação. É um desejo que todos têm, mas nem todos estão aparelhados para realizar.
Quais são os conselhos que você daria para os estudantes? O que fazer e o que não fazer na carreira profissional?
Vou dar um, o mais importante. Crie um sólido círculo de relacionamentos, desde já. Não perca de vista nenhum de seus colegas. Continue a se comunicar com todos eles, mesmo com aqueles que você não aprecia muito. O fato de um colega ser menos simpático, ou de não ter sido um bom aluno, não significa nada. É dele, exatamente, que você talvez mais possa precisar algum dia. Hoje, cerca de 70% das vagas são preenchidas por indicação ou referência de quem já trabalha em uma empresa. Esse círculo, chamado de networking em português corporativo, é tão (ou mais) importante que o próprio currículo.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 10/03/2006.