A internacionalização da economia, acelerada a partir dos anos 1970, provocou grandes mudanças no modo de produzir. As empresas passaram a atuar em redes e a ter suas atividades produtivas espalhadas por vários pontos do planeta, de preferência naqueles locais onde obtêm maiores vantagens competitivas.
Uma conseqüência dessas mudanças é o desemprego crônico, estrutural. Ou seja, a sociedade de hoje não é mais capaz de absorver a mão-de-obra dos jovens que se formam todos os anos.
Porém, num jogo cheio de contradições, o capitalismo ao mesmo tempo em que gera concentração (pouco mais de uma centena de companhias domina os mercados mundiais), tende também à fragmentação, na forma de franquias e terceirizações, por exemplo.
E essa tendência de fragmentação abre espaço para as pequenas empresas, hoje as maiores empregadoras, e também para um tipo de cadeia produtiva chamada de arranjos produtivos locais (APLs) - ou, para utilizar a expressão conhecida em inglês, os "clusters".
No Brasil, o conceito de APL começou a ser trabalhado pioneiramente pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que incentiva esse tipo de organização e dá orientação para que se torne sustentável.
Os arranjos produtivos, de acordo com a definição do Sebrae, "são aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum tipo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa".
No estado de São Paulo, os projetos de arranjos produtivos já beneficiam direta e indiretamente 1,8 mil empresas e geram cerca de 9 mil empregos. Há APLs das mais diferentes especializações, como cerâmica, calçados, têxteis, móveis.
José Luiz Ricca, diretor-superintendente do Sebrae-SP, em entrevista exclusiva ao Bradesco Universitário, explica por que os APLs são uma novidade no cenário econômico mundial e de que forma representam esperança de emprego para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho.
Segundo ele, os APLs resultam de uma transformação na forma de produção nas duas últimas décadas do século passado e que ganha força no século 21. Transformação essa impulsionada, principalmente, pela "revolução do conhecimento" e pela globalização.
"O arranjo produtivo tem a vantagem de ser grande em termos de produção, mas pequeno em constituição. E o pequeno tem flexibilidade e aquilo que é mais importante: emprego", diz Ricca.
O exemplo dos distritos industriais da Itália
De acordo com José Luiz Ricca, a primeira realização, na prática, dos arranjos produtivos, se deu na Itália, onde eles ganharam o nome de distritos industriais.
"A região do Norte da Itália estava sendo vítima de uma enorme informalidade. E também de uma desindustrialização muito grande. Isso ocorreu porque houve uma divisão internacional, as fábricas tradicionais se automatizaram e começaram a tomar uma outra configuração, as grandes empresas ou mudaram de localização ou simplesmente mudaram sua forma de produzir", conta.
A transformação teve reflexos também na forma como as empresas se relacionavam com os seus fornecedores e muitos perderam função depois que estas fecharam as portas.
"Foi então que os pequenos empresários que antes viviam de produzir para as grandes empresas perceberam que era possível mudar a natureza da forma de produção e partir para a criação de outras coisas, aproveitando o conhecimento anterior", prossegue ele.
Os espaços antes ocupados pelas fábricas foram tomados por pequenas e médias empresas, que passaram a produzir de maneira cooperada. A esses espaços deu-se o nome de distritos industriais. A novidade trazida pelos arranjos foi o fato de produzirem em conjunto, porém mantendo a individualidade e até mesmo a competitividade entre si.
Trata-se de uma produção muito mais associada do que coletiva, que utiliza o conceito de rede, explica Ricca. "Essa rede não tem mais aquela conotação de cliente-fornecedor, mas de pessoas que fabricam coisas semelhantes e que agora trabalham ou para complementar a cadeia produtiva ou para potenciá-la".
Ou seja, um grupo significativo de empresas de uma mesma região passa a se dedicar a todas ou quase todas as etapas de uma mesma cadeia produtiva - como nas várias etapas de produção de calçados, do design ao tratamento do couro, à costura. E potencializa a produção, na medida em que todas elas podem se unir para aumentar o volume de produção e atender a demandas, por exemplo, de exportação.
Arranjos surgem em pólos que já existem
Uma característica importante dos arranjos, ressalta Ricca, é que a vocação para um determinado ramo de produção já precisa existir, mesmo que de forma desorganizada.
"Em Tambaú (interior de SP), por exemplo, cada produtor fazia a sua telha, umas quebravam mais, outra menos, e todos se digladiando, todos perdendo. A cadeia estava inteirinha lá, desde o barro até a telha, e ainda várias empresas de prestação de serviços nesse campo. Um dia um olhou para a cara do outro e disse: que tal a gente conversar?"
Ao atuarem juntos, os produtores têm condições de atender a pedidos maiores, os custos caem, o controle administrativo melhora e sobram mais recursos para investir em tecnologia, afirma o diretor-superintendente do Sebrae. No caso específico de Tambaú, as empresas participantes do arranjo tiveram um aumento no lucro de 28%, causado por adequações feitas no processo produtivo.
Um outro exemplo citado por Ricca é o de Ibitinga, também interior de São Paulo, famosa por seus bordados de cama, mesa e banho. Essa produção, porém, estava ameaçada, tal a briga entre os produtores locais.
Num dado momento, eles perceberam que se trabalhassem unidos não só conquistariam o mercado local, como o regional, o estadual, o nacional e até o internacional. "E aí o problema passou a ser outro, dar conta de produzir para um mercado muito maior, em vez de 1500 peças, 150 mil".
Uma nova forma de pensar
Os arranjos produtivos, de acordo com o diretor-superintendente do Sebrae, introduzem uma nova forma de pensar a atividade produtiva e o lucro. A concorrência predatória é substituída pela cooperação.
"Parece contraditório, como é que você faz com que exista cooperação e ao mesmo tempo conserva a competição?", indaga. Mas é possível, sim, diz. "Produtores de municípios inteiros que fabricam determinado produto se juntam para poder fazer frente a um mercado que aumentou e serem fornecedores de uma grande empresa antes concorrente deles".
Segundo Ricca, o arranjo produtivo, ao criar um novo modelo de produção, abre também inúmeras possibilidades de trabalho. "Hoje a demanda humana se encontra no pequeno negócio, 67% dos empregos são gerados pelas micro e pequenas empresas. Os arranjos resgatam a produção com gente".
Porém, para se unirem em um APL, os pequenos empresários precisam abrir mão de posições individuais e pensar um pouco mais na questão coletiva, explica o diretor. E isso às vezes demanda algum tempo. Ele se mostra otimista com a nova geração, segundo ele, muito mais propensa a adotar idéias de coletividade.
"Nós somos criados dentro dessa visão individualista. De agora pra frente, essa geração que vem aí, esses jovens já não têm mais essa mentalidade individualista. Eles já vivem mais preocupados com o meio ambiente, com a questão social. Esses jovens de hoje têm uma visão mais aberta, mas os mais velhos ainda são do tipo ’salve-se quem puder’".
Para Ricca, os APLs inserem-se num mundo em que não há mais espaço para a "visão cartesiana da era industrial", quando a produção dividia-se entre trabalho e capital e o trabalho em várias partes. Quem produzia não tinha a visão global, só da parte. Hoje, ao contrário, diz, "quem produz, não importa o quê, tem a noção de para onde o produto vai".
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 20/07/2006.