Esquecer das coisas tem pouco - ou nada - a ver com a idade. Memorizar novos conhecimentos para uma prova ou simplesmente lembrar compromissos rotineiros pode ser desafio para qualquer um, de 20 ou 80 anos. O importante é entender como funciona a memória e trabalhar para melhorá-la, ensina o neurologista e professor da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas Mauro Oliveira.
Ele explica que a chave está em priorizar as informações e fazer com que o próprio cérebro consiga diferenciar um dado importante de outro que não trará problema se for esquecido.
"Se quisermos melhorar nossa memória, devemos determinar nossas prioridades (o que é mais importante primeiro) e, ao final de cada tarefa cumprida, realizar um reforço nas restantes", ele aconselha. "Lembrar é importante, esquecer é necessário", acrescenta.
Para se entender melhor como a memória funciona, o especialista procura primeiro esclarecer o que ela é. "Pode ser definida como sendo o processo que nos permite fixar o presente e evocar o passado, reconhecendo-o e situando-o no tempo. Podemos dizer ainda que ela é a capacidade que temos de aprender coisas novas e lembrarmos delas", diz.
A memória, segundo ele, se divide em três categorias. São elas: a memória sensorial, que causa apenas impressões instantâneas que se apagam ou passam para a memória de curta duração; a última, que também pode ser chamada de memória de trabalho, que guarda as informações por alguns minutos para que possam ser usadas durante esse curto período; e a memória de longa duração, que é um "sistema pelo qual a informação ?arquivada? está disponível para ser evocada quando necessário".
E antes de entender como treiná-la para nunca mais se lembrar de pegar as chaves do carro apenas quando já se está no estacionamento é importante conhecer seu processo de armazenamento de informações, ou seja, a memorização.
O professor explica que a memória primeiro reconhece a informação, "que pode chegar por meio dos cinco sentidos" (visão, audição, tato, olfato e paladar). Em seguida, ela codifica, organiza e parte para a manutenção dessa informação. Se for algo de extrema importância, a informação é fixada ou "arquivada" na memória de longo prazo.
De acordo com ele, pesquisadores da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, "constataram que recordamos 10% do que lemos, 20% do que lemos e ouvimos, 30% do que vemos, 50% do que vemos e ouvimos, 70% do que ouvimos e discutimos e 90% do que ouvimos e fazemos".
Por isso, quando for realmente necessário armazenar determinada informação, a atenção e a concentração são boas técnicas aliadas. Para estudantes em fase de provas, uma boa dica é usar o maior número possível dos sentidos humanos. Ler em voz alta, gravar para ouvir depois, fazer resumos e organizar grupos de estudos podem ser ótimas alternativas.
Além disso, quanto mais estimulada a trabalhar maior se torna a capacidade de armazenamento da memória. "Sempre que oferecer informações de diferentes naturezas sobre um mesmo conteúdo, estará ajudando o seu cérebro a formar um aprendizado e um conhecimento que poderá durar por toda a vida".
"Fornecendo imagens, sons, possibilidade de usar o corpo em movimento e produzindo emoções, diversas partes do cérebro serão ativadas quando esse conteúdo precisar ser resgatado, tornando a sua lembrança mais fácil. Ao unir esse conteúdo a um conhecimento prévio, serão traçados vários caminhos que tornarão o aprendizado mais eficaz", ensina o professor.
Criando referências
"Podemos dizer que se quisermos lembrar de algum fato devemos utilizar algumas marcas no 'arquivo' a ser recuperado, criar um vínculo emocional com ele para poder usar de reforço. Quanto mais usamos nossos sentidos, maior é nossa capacidade de memorização", explica o neurologista.
Portanto, o grande mecanismo de resgate de memória é a associação, ou seja, o uso de referências. "O cérebro funciona em módulos cooperativos, que se ajudam na hora de recuperar informações. Quanto mais caminhos levarem a elas, mais fácil será o 'resgate'", afirma.
"Se um conceito estiver conectado simultaneamente a uma imagem e a um som, pelo menos três áreas diferentes do cérebro trabalharão para recuperá-lo. Por isso, inventar uma imagem simbólica, associar conceitos a formas, palavras a sons, cores a significados, e assim por diante, é um hábito extremamente saudável".
"Sair do 'concreto' faz com que determinada informação seja guardada sob várias chaves, como se fossem fichas de armazenamento, facilitando a consulta", explica o neurologista.
Como exemplo, ele cita as fórmulas mnemônicas, que servem para facilitar as associações que levam à memorização. Podem ser criações de letras didáticas para músicas com melodias conhecidas, ou "versinhos rimados e frases engraçadas".
Para os estudantes, além do uso de técnicas mnemônicas, é bem eficaz manter-se descansado e com o sono em dia, porque "durante o sono, o cérebro processa, revisa e armazena a memória, e, hidratado, também auxilia na memorização".
Mais dicas de memorização
Mauro Oliveira afirma que "que a memória é como uma caderneta de poupança, ou seja, se você quiser ter um bom capital no final de sua vida, tem que poupar desde cedo. Portanto, para ter uma boa memória na velhice é preciso se preocupar desde cedo".
Para ele, "algumas dicas que podem ajudar" seriam aprender ou fazer algo diferente da sua rotina diária, como dançar, nadar, descobrir um novo jogo de tabuleiro, estimular novas capacidades ou dons, como a pintura, por exemplo.
"Concentre-se no que realmente é importante! Não permita que nenhum outro pensamento ocupe sua mente enquanto você estiver realizando uma tarefa. Pessoas ?antenadas? terão mais facilidade de guardar os fatos importantes apenas se estiverem atentas a tal tarefa".
"Preste atenção às informações que recebe. Caso contrário, os mecanismos naturais de fixação das lembranças não funcionam. Reparar nos detalhes ajuda a recordar rostos, nomes e ocasiões".
"Pratique atividades que exijam concentração e raciocínio. Ao ler, por exemplo, você trabalha os sistemas visual e verbal. Isso significa que um bom livro pode ajudá-lo a se recordar não só de tudo o que ouve, como tudo o que vê".
"Tente manter a lógica em suas tarefas diárias, procurando organizá-las de acordo com critérios de prioridade. E lembre-se: nem tudo deve ser prioridade em seu dia a dia".
"Reduza o estresse com técnicas de relaxamento e exercícios físicos regulares. Um estudo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, mostrou que caminhadas diárias retardam o envelhecimento do cérebro, pois liberam endorfina (neurotransmissor que nos deixa calmos)".
"Anote e abuse da agenda. Assim, você pode arquivar números, datas e compromissos diários sem ter de desperdiçar espaço no seu computador cerebral", alerta o professor.
Pensamento positivo
Segundo o neurologista, um estudo recente da Universidade de Zurique "mostrou que as lembranças podem ser prejudicadas pelo cortizol, um hormônio normalmente liberado em situações de tensão, que, em excesso, atrofia o hipocampo, região do cérebro onde se inicia o processo de memorização".
"Se for estudar, não comece com pensamentos: 'essa matéria é chata, não adianta que eu não aprendo, isso é muito difícil para mim, tenho só hoje para aprender tudo!'" , ele comenta com bom humor.
Lembrando sempre que o uso de drogas e excesso de calmantes também podem causar depressão, falta de atenção, de sono e de concentração, e que "literalmente, queimam neurônios, as células cerebrais".
Ele afirma que é muito mais difícil se concentrar sob tensão, deprimido, ansioso ou nervoso. Ser feliz faz o cérebro relaxar e é justamente no momento de descanso que ele "aproveita para resolver alguns problemas".
Portanto, "um bom exercício para sua memória também inclui lazer". O professor diz que o importante é fazer o cérebro funcionar e não apenas trabalhar.
Para ele, "receber amigos, ir a festas, ao cinema, fazer visitas, ficar em um lugar tranquilo sentindo a brisa, observando o pôr do sol ou o luar" irão, certamente, ajudar a memória a envelhecer melhor.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 8/07/2009.