Pode até ser que o conceito de indústria criativa ainda não esteja claro, como fizeram questão de pontuar quase todos os participantes do Fórum Internacional de Economia Criativa, realizado entre 4 e 6 de dezembro, na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, e divulgado na web pelo Centro Cultural Bradesco, no Second Life.
O fato, entretanto, é que este segmento da economia que envolve a indústria cultural e várias outras atividades relacionadas com direitos autorais e criação, como artesanato, moda, design e desenvolvimento de softwares, está ganhando importância.
E tanta importância que o seminário foi acolhido na sede da maior organização industrial do país e promovido pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo em parceria com a Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Agência de Desenvolvimento do Município de São Paulo.
Teve ainda o patrocínio e o apoio de várias instituições, entre elas o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa de São Paulo (Sebrae-SP), BNDES, Consulado do Canadá, Embaixada Britânica, Centro Cultural da Espanha em São Paulo, Fundação Padre Anchieta etc.
A explicação para todo esse movimento não deixa de ser simples: a chamada economia criativa está sendo apontada como um dos setores com grande possibilidade de desenvolvimento sustentável do século 21, sendo responsável hoje por geração de riquezas que correspondem a 8% do PIB mundial.
Mas o assunto é tão complexo, que não pode ser tratado apenas com indicadores como geração de renda e de empregos, lembrou o secretário de Cultura de São Paulo, economista João Sayad. Segundo ele, a razão de promover este Fórum foi tentar entender o que é a economia criativa e ouvir relatos de experiências de vários países.
“A arte sempre reclamou da presença da economia, que a transformava em negócio. Porém, desde 1997, a questão se inverteu: passou-se a pensar em como a arte poderia ajudar a economia”, disse Sayad.
A referência a 1997 se explica porque foi nesta data que o então primeiro-ministro britânico Tony Blair designou setores da economia inglesa que poderiam melhorar a performance no competitivo cenário internacional e os chamou de “indústrias criativas”.
Tais setores tinham em comum a possibilidade de gerar direitos de propriedade intelectual, e, portanto, agregar valor a mercadorias ou serviços desenvolvidos de forma muito parecida em todo o mundo globalizado.
A economia criativa, segundo Sayad, está sendo responsável pela revitalização de algumas áreas antes degradadas, e pela agregação de valor às mercadorias. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Secretaria de São Paulo tem planos para criar em uma região próxima à av. Paulista um pólo de cinema e animação, revelou.
O Projeto Nova Luz, de revitalização da degradada região central da cidade, que envolve recuperação urbanística e restauração de prédios históricos, além de incentivos fiscais para que empresas mudem suas sedes para a região, também é um exemplo de como a economia criativa pode recuperar economicamente um local.
No Recife, Pernambuco, a criação do Porto Digital, um pólo de empresas de tecnologia, é outra experiência que mostra como a economia criativa pode gerar empregos e revitalizar uma região da cidade, no caso a zona portuária.
Vários exemplos parecidos de indústria criativa funcionando como motor de desenvolvimento regional ou de recuperação de um segmento da economia foram relatados no Fórum.
Entre os convidados estrangeiros, Paulina Becerra, coordenadora do Centro Metropolitano de Design de Buenos Aires, Argentina, esteve, por exemplo, falando sobre a transformação da capital na “cidade do design”; Joci Pardo, diretor Laboratório de Cultura da Barcelona Media - Centro de Inovação, discorreu sobre o tema “Transformando cidades e regiões com criatividade”; Xavier Marcé, diretor do Instituto Catalán de las Industrias Culturales, falou sobre “Indústrias Culturais – movimentando valores simbólicos e econômicos”.
E ainda, para citar mais dois: Ernesto Piedras, economista do ITAM London School of Economics, defendeu como pressuposto à concretização econômica da cultura a sua ampla circulação e o amplo acesso aos seus bens; Keith Chang, diretor da Divisão de Comércio e Investimentos do Canadian Heritage, falou sobre a importância da economia criativa para o seu país, que movimenta 4% da produção de riquezas, e de como o Canadá vem exportando produtos e serviços culturais.
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, que representou o ministro Gilberto Gil no evento, lembrou que a economia da cultura “é uma das principais oportunidades para países em desenvolvimento”.
Além de representar a produção simbólica de um povo, a economia criativa, segundo ele, tem tanta força econômica que seus bens e serviços representam, desde 1996, o principal produto de exportação dos Estados Unidos (basta citar como exemplo o cinema e a indústria de games).
Ricardo Tortorella, diretor-superintendente do Sebrae-SP, forneceu outros dados bastante impressionantes. Segundo ele, há hoje no Brasil 270 mil empresas ligadas à produção cultural. O segmento emprega 1,5 milhão de brasileiros e tem grande potencial de crescimento. Atualmente, acrescentou, 7% do orçamento das famílias são destinados a produtos culturais.
Salários melhores
Outro palestrante do Fórum Internacional de Economia Criativa, Aurílio Sérgio Caiado, pesquisador da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), destacou, em sua palestra “Números preliminares da economia criativa no Estado de São Paulo”, que, apesar de ainda contar com um segmento informal e inconstante, a economia criativa contrata pessoas com melhor formação e melhores salários.
Ele citou números colhidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio-2006 (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo os quais 44,7% dos brasileiros empregados nos meios relativos à produção criativa possuem carteira assinada, contra 37% na média total.
Os salários desta área são ainda 51% maiores do que a média nacional. Segundo dados que apresentou, a economia criativa é responsável por 2,55% dos empregos formais na capital paulista, ou 93.846, e por 1,45% dos empregos formais no Brasil, o que corresponde a 482.822.
Mas se forem computadas as ocupações, sejam elas formais ou não, o número sobe para 3,5% das ocupações no Brasil (3,1 milhões); 5,7% no estado de São Paulo (1,1 milhão) e 7,7% na região metropolitana (mais de 720 mil pessoas) relacionadas à economia criativa.
Explicando melhor o conceito
Aurílio Caiado, da Fundação Seade, fez questão de deixar claro o conceito de economia criativa, segundo ele “o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de serviços que usam a criatividade, o ativo intelectual e o conhecimento como principais recursos produtivos”.
De acordo com o pesquisador, economia criativa faz parte do conceito mais amplo de economia baseada no conhecimento (knowledge based economy), o qual abrangeria ainda a economia da inovação e a economia da cultura.
No caso da economia criativa, as características, em resumo, são: atitudes econômicas que combinam criatividade e técnicas e/ou tecnologias agregando valor ao ativo intelectual; associação entre talento e objetivos econômicos; ser ao mesmo tempo ativo cultural e produto ou serviço comercializável; incorporar elementos tangíveis e intangíveis dotados de valor simbólico.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 18 de dezembro de 2007.