No dia 31 de outubro de 1902 nascia em Itabira, interior de Minas Gerais, um dos maiores poetas da literatura brasileira. Carlos Drummond de Andrade estreou causando escândalo nos círculos literários, com o poema “No meio do caminho”, publicado na Revista de Antropofagia, em 1928.
“No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra...”, escrevia, em um texto repetitivo, sem pontuação, métrica ou rima, características consideradas na época indignas da boa poesia.
Vinte anos após a sua morte, aos 84 anos, Drummond ainda é considerado inovador e o maior exemplo do uso exuberante da simplicidade. Nas mãos do poeta, fatos e acontecimentos do dia-a-dia transformam-se em poesia da maior qualidade.
Na opinião do crítico literário e professor aposentado de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP) Davi Arrigucci Jr., autor do ensaio sobre Drummond “Coração Partido”, publicado recentemente pela editora Cosac & Naify, a obra do poeta mineiro mantém a atualidade.
Arrigucci Jr explicou, em entrevista à revista online Trópico, que Drummond é moderno porque “o leitor se sente representado naquilo. Até hoje é assim. As questões continuam palpitantes, seja no universo do amor, da vida familiar, na experiência da cidade grande ou no contato com a política e o grande mundo. Todas as complicações da história do século XX estão configuradas em sua poesia”.
Para a professora de redação publicitária do curso de comunicação da Universidade Presbiteriana Mackenzie Silvia Cristina Silva Martins, chama a atenção em Drummond questões como a inquietação e a ironia diante da vida e a visão crítica em relação ao homem.
“Isso é evidenciado em alguns trechos: “Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”, diz ela, recitando os versos iniciais do célebre “Poema de sete faces”.
A penúltima estrofe deste mesmo poema é bem conhecida também: “Mundo mundo vasto mundo/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto mundo,/ mais vasto é meu coração”.
Esses são alguns dos motivos pelos quais Drummond é considerado leitura obrigatória, explica a professora, que ressalta, também, o lirismo do poeta: “Apesar de sua ironia e inquietação, o que mais me chama a atenção em suas obras é a nostalgia sobre sua cidade natal. Lembro-me de entrevistas dele. Sempre quando ele falava de Itabira seus olhos enchiam-se de lágrimas”.
Jovens e poesia
Na opinião da professora Silvia Cristina Silva Martins, os jovens de hoje se interessam pouco por poesia. Ela arrisca um motivo: “Eles estão mais voltados para a era virtual, para os MSN e Orkuts da vida”, diz.
Esse desinteresse, além disso, segundo ela, pode ser explicado pela falta de incentivo por parte dos professores, os quais, por sua vez, precisam ser mais bem preparados. “Muito giz, saliva, saber contar a história para os alunos e por aí buscar de dentro deles outras histórias, basicamente é isso”, opina.
“Tem muita gente boa escondida pela falta de divulgação. E tem muita coisa dentro das pessoas, dos alunos, que está escondido. Se conseguíssemos colocar isso pra fora, quem sabe não teríamos tantos outros ‘Drummonds’ por aí”, arrisca a professora, que defende que as próprias universidades divulguem mais a poesia produzida pelos alunos.
Segundo Silvia, existem alunos com muito talento para a poesia mas que têm dificuldades para tornar seu trabalho mais conhecido. Ela cita o exemplo de Thiago Bechara, estudante de jornalismo do Mackenzie.
Aos 20 anos, Thiago Bechara já teve dois livros de poesia publicados, “Impressões” (2002, independente) e “Encenações” (2004, Editora Zouk). Fã de Carlos Drummond de Andrade, ele também considera as obras do autor obrigatórias para os que gostam de poesia e literatura.
“Drummond usa uma estrutura gramatical muito simples, aparentemente algo infantil, mas por de trás disso revela um raciocínio complexo e articulado, com um movimento engajadíssimo”, diz.
Para Thiago, a barreira que afasta o jovem da poesia é a falta de oportunidade e incentivo. “Deveria haver mais incentivo, não só por parte do governo. Jornais e revistas deveriam abrir espaço para publicações, incentivar jovens a publicar seus textos e também a escrever mais. Tem muita gente boa que está anônima”.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em 9 de outubro de 2007.