Os jovens que estão hoje na universidade muito provavelmente passaram a infância lendo algumas das pequenas obras-primas de Tatiana Belinky. A escritora, que é referência em literatura infantil brasileira desde os anos 1950, fez 90 anos em março (2009) e merece ser lembrada por sua importância também em outra área: a televisão.
Com muito bom humor e disposição, ela contou com exclusividade que começou na TV numa época muito diferente. “Era uma novidade! Não sabíamos de quase nada”, comenta.
Experiente em adaptações de histórias infantis para o teatro, Tatiana recebeu um convite para levar suas peças para a extinta TV Tupi logo no início da era televisiva, em 1951. Nascia, então, o teleteatro brasileiro.
No total, foram mais de 1.500 adaptações, que realizou em parceria com seu marido Júlio Gouveia (1914-1988), médico e educador. “Ele era uma pessoa muito interessante”, conta saudosa e risonha.
No início, as fábulas adaptadas não eram brasileiras e daí surgiu a ideia de criar algo que representasse a literatura nacional. Não foi difícil escolher as obras de Monteiro Lobato do “Sítio do Picapau Amarelo” para essa missão.
“Eu era roteirista e nem sabia que existia esse nome. Escrevia tudo”, conta aos risos. E, continua, “naquele tempo tínhamos que fazer muitas coisas criativas para dar efeitos. Precisava ter muita coragem, mas era sensacional”.
Foram 12 anos no ar com o “Sítio”, mas os registros desses programas estão apenas nas publicações da imprensa da época e na memória de muitas crianças “velhinhas”. Gravado ao vivo, quando ainda não existia o videoteipe (ou videotape, em inglês), só podia ser assistido por quem fixasse os olhos na telinha preto e branco no momento exato da transmissão.
A escritora literária
Antes de ingressar de vez na literatura, Tatiana se aventurou escrevendo artigos, crônicas e crítica de literatura infantil para grandes jornais do estado de São Paulo. E já nessa época ela colecionava diversos prêmios na categoria de escritora.
Com suas escritas nos jornais, traduções e adaptações, a literatura surgiu com um convite nos anos 1980. “Não corri atrás de nada. Mas claro que eu ia tentar!”. Aceitar o convite da editora para escrever histórias deu mais do que certo. Tatiana virou referência da literatura infantil brasileira.
“As primeiras gerações que conheceram meu trabalho agora têm netos. Ouço muito de vovós ou papais, como um disco gravado, que aprenderam a ler comigo ou vendo os programas na TV”, conta orgulhosa. “Ih, já fiz muita coisa!”.
De sua vasta obra, destacam-se “Coral dos Bichos”, “O Grande Rabanete”, “Di-versos russos”, “Limerique das Coisas Boas”, “Choro e Choradeira – Risos e Risadas”, “Dez Sacizinhos”, “Mentiras... E Mentiras”, “Saladinha de Queixas”, “O Samurai e a Cerejeira” e “Rita, Rita, Rita!”,entre outras.
Hoje, a autora já bateu de longe o recorde de cem obras e diversos prêmios literários, como Nestlé, Jabuti e “Melhor para Criança” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Suas obras fazem tanto sucesso não somente por seu histórico profissional, mas por abordar as historinhas de um jeito diferente do convencional – Tatiana sempre preferiu induzir as crianças a tirarem suas próprias conclusões, sem nenhuma moral pronta que finalizasse suas histórias.
“Eu mesma, quando criança, gostava de tirar minhas conclusões sozinhas, Queria me identificar com tais e tais personagens sem que ninguém me dissesse o que era certo”, ela conta.
E continua com muito humor. “Até gostava mais dos vilões, porque eles são mais interessantes. Queria ser bruxa e não fada. Claro, uma bruxa bonita, como a da Branca de Neve, que era ruim ruim bruxa bruxa, mas muito bonita”.
Prova de sua juventude interior e vitalidade são os lançamentos de seus livros que não param de acontecer, sempre com histórias alternativas e divertidas, contadas de um jeito que só a autora sabe fazer. “Com meus 90 anos continuo criando e escrevendo”.
As editoras recebem as escrituras de Tatiana à mão. “Meus dedos já não querem mais o teclados, mas minha escrita continua como há de 50 anos atrás. Ainda vou estar por aqui por algum tempo”, diz cheia de entusiasmo.
Quando questionada sobre um possível descanso, ela não titubeia ao dizer que “descansar cansa muito, é muito cansativo”.
A TV e a leitura
Tatiana acredita que a TV de hoje pode incentivar o hábito da leitura. “A televisão tem muita força. Se aparece um personagem lendo um livro na novela, no dia seguinte, as pessoas fazem fila na livraria”.
Porém, ela vê que tal força pode estar sendo usada ao contrário e diz que não nota uma programação tão educativa e informativa como antes. “Tem alguma coisa ou outra educativa. Mas a TV também pode ser muito deseducativa e desiformativa”.
Para ela, a leitura deveria fazer parte da cultura e dos costumes de todos, um hábito que poderia facilmente ser passado dos pais aos filhos. “Ter acesso à literatura é um privilégio e não uma obrigação ou um castigo”, ela diz.
Monteiro Lobato
Adaptar as obras de Monteiro Lobato para a televisão foi uma honra para Tatiana, pois, segundo conta, quando chegou ao Brasil aos dez anos de idade (ela nasceu na Rússia), se apaixonou por Emília, “uma bruxinha do bem”, e até pensava em ser ela.
Mais tarde pôde conhecer o escritor pessoalmente, mas lamenta o fato de ele não poder ter visto seu trabalho na televisão. “Conhecemos (ela e o marido) o Lobato antes de a TV aparecer. Mas pena que ele não chegou a ver o trabalho”.
Assumidamente fã, comenta: “Monteiro Lobato é outro papo. Para mim, a Emília é a maior figura feminina da literatura brasileira”.
Jogo de palavras
Ao lado da cama de Tatiana, está um caderninho de anotações que de vez enquanto é aberto para o registro de algumas palavrinhas chave que a autora escreve durante a noite caso tenha alguma ideia.
Mas ela assume que tem preguiça e prefere pensar mais do que escrever se porventura perder o sono. “Se eu estou com insônia, não conto carneirinhos nem nada, invento brincadeiras de palavras. Brinco com as palavras e elas brincam comigo”.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em maio de 2009.