Os 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil, comemorados em 2008, fizeram de “1808” (Ed. Planeta), do jornalista Laurentino Gomes, um dos livros mais lidos no país. Foi adotado por escolas e já traduzido em alguns países da Europa. Porém, mais do que lembrar a data, a obra traz uma nova interpretação do fato histórico, muito diferente daquela ensinada na maioria dos livros de história.
Embora os registros datem 1500 como o descobrimento do país, segundo o jornalista, somente em 1808 o país nasceu de fato como nação. A tese é de que até a chegada de D. João VI e sua corte, o país não existia como Estado, propriamente dito, com todas as instituições que o caracterizam.
Ele mostra a trajetória da família real, que parte rumo ao Brasil, cruza o Atlântico, em barcos apertados, nos quais faltam comida e água. Vê a esquadra se dispersar, graças às tempestades tropicais, e faz D. João, o rei tímido, supersticioso e feio, desembarcar em Salvador.
Ali, em meio a recepções, o monarca assina a abertura dos portos – o que favorece comerciantes ingleses, mas também brasileiros, enriquecendo as duas pontas do comércio internacional. E o leitor compreende que a corte chega empobrecida e ansiosa por receber algo em troca do sacrifício da viagem.
“Antes de a Família Real chegar ao Brasil - fugida do exército francês de Napoleão Bonaparte - não havia comércio, não existia indústria, ensino superior, imprensa, indústria gráfica, sistema educacional, Marinha, entre outras instituições. O Brasil era uma fazenda extrativista de Portugal, sem um sentimento nacional”, argumenta o jornalista, que propõe uma espécie de revisão histórica.
Diferentemente da forma caricata de como a maioria das obras mostram D. João VI e Carlota Joaquina, Laurentino Gomes ressalta que a história não se resume a isso. Segundo Gomes, os 13 anos em que D. João VI e sua corte estiveram aqui foram fundamentais.
“Sem a vinda da Família Real, seria impossível construir a história do país. Coube a eles transformar o Brasil, de uma colônia atrasada e ignorante em um país independente. Se D. João não tivesse fugido de Portugal para o Rio de Janeiro, o Brasil provavelmente teria se pulverizado em pequenas repúblicas, como aconteceu com a América espanhola”, explica Gomes.
“Em lugar de uma nação de dimensões continentais, seríamos hoje uma constelação de países irrelevantes na América do Sul, cuja liderança caberia à Argentina”, complementa.
Ao contrário do que aconteceu com os outros países da América do Sul, em que cada região proclamou sua independência, o Brasil permaneceu em uma unidade e ligada a Portugal. “D. João sabia que, com a criação de uma nação, a independência naturalmente viria. E foi por ter esta consciência que D. Pedro I, filho de D. João VI, tornou-se o primeiro rei do Brasil”, afirma. Ou seja, na contramão do esperado, os laços entre Brasil e Portugal não se findaram com a independência.
De acordo com o jornalista, o período serviu para desenhar muito do que a sociedade brasileira é atualmente. “Desde aquela época já havia problemas. Refiro-me àquilo que se chama de desigualdade e promiscuidade social", diz.
“Com todas as fraquezas, todo o medo e covardia, além de toda a corrupção que cercou a fuga da Família Real para o Brasil, devemos o princípio de nossa emancipação política, vulgarmente conhecida como Independência, a este episódio, a esta travessia de 1808”.
Diante de todas as suas pesquisas (foram consultados 150 livros sobre o assunto, em um período de dez anos), o jornalista diz que “1808” é um apanhado de relatos sobre a vinda da Família Real ao Brasil, sem pretensões acadêmicas e linguagem rebuscada. Segundo ele, a idéia da publicação é fazer com que os brasileiros tenham consciência de como foi o início da história do país como nação.
Linguagem sedutora
Um dos trunfos apontados no livro é a linguagem atraente e acessível, muito diferente dos textos históricos mais convencionais. Há muito humor e intenção de instigar a curiosidade do leitor, como fica claro já no subtítulo, “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”.
Com isso, muito provavelmente leitores que jamais se interessariam por livros de história encararam, deliciados, as páginas de “1808”. Embora já tenha se tornado um best-seller com a venda de 300 mil exemplares no Brasil e outros 40 mil em Portugal, o jornalista acredita que o livro pode penetrar ainda mais nas escolas. “Esta é a minha contribuição. Peguei os dados e transformei em uma grande reportagem.”
Desprendido de suas atividades na redação, o jornalista se dedica agora às atividades relacionadas ao livro e já pensa em fazer outras grandes reportagens sobre a história do Brasil. Daqui a dois ou três anos pretende retratar a biografia de Tiradentes e a Independência do Brasil. “Foi uma época muito transformadora”, diz.
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em julho de 2008.