“Qual artista você está procurando, o alemão?”, perguntaram a esta repórter, que circulava entre as pilastras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM). Alex Flemming, com quem tinha marcado um encontro para uma entrevista exclusiva para o Bradesco Universitários, encontrava-se em uma sala testando o funcionamento de sua nova instalação, que ficaria exposta ao público no museu até meados de dezembro.
Na verdade, Flemming não tem nada de alemão: é um dos grandes nomes representantes da arte contemporânea brasileira no cenário internacional e mora em Berlim há 17 anos. É e considera-se brasileiríssimo, paulista de pai e mãe.
Na capital paulista, inclusive, pode ser vista uma de suas obras públicas mais conhecidas: os painéis com fotos de pessoas comuns sobre os quais ele aplicou caracteres gráficos (trechos dispersos de poesias) e que ficam na Estação Sumaré do Metrô.
“Sistema Uniplanetário In Memoriam Galileo Galilei”, a obra que estava testando, compõe sua individual no Rio e parece ser fruto dos caminhos que traçou pelo mundo. Em uma referência ao italiano Galileu Galilei (1564-1642), inventor do telescópio, considerado o pai da ciência moderna e o primeiro a afirmar que a Terra se move e não é o centro do universo – considerada, em sua época, uma heresia – a exposição é composta por mais de 50 globos terrestres, de vários tamanhos, dispostos sobre toca-discos que os fazem girar, cada um em sua própria órbita.
Com curadoria de Tereza de Arruda, outra brasileira moradora de Berlim, a exposição “Sistema Uniplanetário” migra da Alemanha, onde em junho deste ano foi mostrada a mais de 2mil pessoas, para o Rio. Em tempos de um mundo cada vez menor, o artista propõe uma globalização em que o mundo seja um só, porém que as diferenças de toda ordem sejam respeitadas.
“O que eu quero mostrar com esses globos é que todos os homens ao mesmo tempo em que são iguais são também diferentes. Todos urinamos amarelo, mas temos diferentes escolhas. Proponho um respeito mútuo que vejo que falta no mundo”, diz o artista.
Filho de um piloto de avião e de uma aeromoça, ele sempre viajou bastante. Morou nos Estados Unidos quando criança, depois em Lisboa. Nos anos 1980, após estudar na Fundação Getúlio Vargas (FGV) para “dar o diploma para família” e abandonar no terceiro ano o curso de arquitetura na Universidade de São Paulo (USP), ganhou uma bolsa do programa de intercâmbio Fullbright e foi estudar em Nova York por alguns meses.
Foi o único momento em que desenvolveu um estudo formal em artes.
No texto de apresentação da exposição, sua curadora explica: “O trabalho mostra em movimento e de uma maneira quase lúdica todas as relações que unem o mundo, que na prática se encontra em uma sincronização rítmica. A instalação em si constrói uma poética e louca metáfora do Sistema Solar, porém aqui o repertório é feito por um único planeta, que se movimenta em torno de si mesmo, várias vezes e de diferentes pontos de vista”.
A nacionalidade do artista é ‘irrelevante’
Com a galeria Bolsa de Arte de Porto Alegre representando-o no Brasil, a Blickensdorff em Berlim e com obra no acervo do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, Flemming se sente à vontade e tem background suficiente para falar de como a arte contemporânea brasileira é vista no exterior.
“Ao menos na Alemanha, não há distinção dos artistas por nacionalidade. Eles estão interessados no conteúdo, não importa de onde o artista vem”, conta. Segundo ele, no mercado de arte internacional, ser brasileiro não facilita nem atrapalha, é “irrelevante”.
“De uns anos para cá a arte brasileira está sendo valorizada, haverá em 2009 a retrospectiva de Mira Schendel no MoMA (NY) e ouve-se mais de Hélio Oiticica e Lygia Clark”, conta.
A internacionalidade e as discussões sobre identidade e pertencimento (a uma cultura, a uma origem) são conceitos caros a Alex Flemming, que ele procura explorar em sua obra.
História e política também interessam muito ao autor. Como lembra o texto da curadora de sua exposição, ainda muito jovem, em São Paulo, Flemming a sua série “Natureza Morta”, denunciando a prática de tortura contra presos políticos durante a ditadura militar. Já nos anos 2000, criou os objetos “Tapetes Voadores”, que eram recortes de tapetes orientais em forma de silhuetas de aviões lembrando o episódio do 11 de Setembro (ataque terrorista às Torres Gêmeas, em Nova York).
Para a curadora, a arte internacional de Alex Flemming se beneficia das origens brasileiras do artista: “Nascer no Brasil significa ser protagonista do multiculturalismo. As várias ondas migratórias de diferentes etnias, crenças, e visões de mundo proporcionaram no Brasil uma flexibilidade da vida e uma visão anti-dogmática do universo, tanto micro quanto macro”.
Saiba mais
Para saber mais sobre o artista e ter acesso a imagens sobre o seu trabalhe, visite www.alexflemming.com
Matéria produzida para o site Bradesco Universitários em dezembro de 2008.